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A mostrar mensagens de maio, 2010

Nu o gesto e a palavra

Foi régia a testemunha Que me tremiam as pernas e a alma Parecia o corpo contrariar e manter a calma Nu o gesto e a palavra Discurso sem nexo Simples ou complexo? Sou mais simples do que imaginava Mas mais complexo do que pensava Há mais que palavras no olhar E mais vida para além do meu respirar Sim… Porque me olhas assim? Porque te ris de mim? Porque sabes a mel? Porque ficas sem respirar Quando te vou beijar? Sabes? Quero perguntar-te Dar-te um beijo é perder-te Ou ter-te?

Duas linhas simples de letra grande

Se eu me pudesse dividir ao meio Sem vírgulas ou pontos finais Ou parágrafos intencionais Um texto corrido, de caracteres loucos Especiais Sem nós nem laços Travessões, discursos directos ou embaraços Assim como uma redacção da escola Duas linhas simples de letra grande Ilusão de óptica dos espaços Para parecer mesmo grande Tirada da cartola Se eu me pudesse dividir ao meio Seria esta uma parte de prosa Teórica, esquemática Escrava do morfema E a outra fácil de adivinhar O mais simples poema

Cálculos e demoras

Quero uma prenda nos meus anos Um relógio para ver as horas E calcular as demoras Quero também uma sala cheia de gente E de versos De ilusões e poemas De mãos e braços e nuvens de algodão doce Uma festa assim tipo Natal precoce Quero também uma janela Com vista directa para a Lua E passagem pela rua Ou não! Quero antes um pôr-do-sol Vermelho rosa Daqueles que me põe relaxado e mole Quero aquela bebida fresca banhada em gelo E um livro novo, ainda no prelo Quero tudo Mas... Como os meus anos estão longe Quero tudo já hoje

Só tu sabes se vou morrer

Como é que te podes apresentar aos outros Com esse corpo morto, rasgado, acabrunhado Como podes fingir as conversas com ideias dispersas Como podes escrever coisas ridículas Sem escreves o meu nome em maiúsculas Como podes fingir sem tingir de rosa os sonhos E falar deles em tons risonhos Só tu sabes se vou morrer Se vou morrer de riso ou afogar-me num mar qualquer Eu sei, sou poeta, posso inventar Mas tu és mais És mulher

Todas as cores dos olhos

Era nos olhos de todas as cores Que morava o feitiço Que se sabia que “um poeta tem olhos de água” Para reflectir “todas as cores” E todas as dores Num feixe gordo, roliço E é na forma, feitio e proporção exacta Dos olhos de todas as manhãs Que vê o dia Mas se perde a data

Essa estante de encantos

Entre ir e vir Da minha estante de encantos Não sei… Talvez quisesse despir-te a alma Duplicar-te com os olhos Olhar-te deliciado com o pensamento Beber esse néctar ao relento Talvez pensasse no teu perfume Colhido no alvor da manhã Talvez fumegasse em mim um castiçal de lume E me apetecesse subir ao cume E gritar baixinho… Olho-te a todo o instante Vejo-te bailarina nos meus dedos Confidente dos meus segredos Talvez eu esteja aí Despido de nudez à tua cabeceira Explorando com os olhos A colina e a ladeira Talvez entre ir e vir Fossem precisos dias e noites duplicados Invernos secos e Verões molhados Primaveras sem flores e Outonos em Maio E mesmo assim talvez Não chegasse outra vida Para te conhecer outra vez

Fiz amor de poema feito

Não sei bem se imaginei fazer um poema de amor Ou fazer amor com um poema E lê-lo devagarinho Suspeito, sorrateiro Entre lençóis de linho Não sei bem se imaginei perder o jeito E em vez se fazer um poema de amor Fiz amor de poema feito Não sei se faço poemas Ou se faço amor Se escrevo certo ou errado Mas sei que o amor é como um poema Não sabemos bem Se é amado

que a madrugada me açoite

Pensei hoje que podia mas não posso Adiar o amor para outro século Adiar este nó na garganta Ou ler noutro dia o fascículo Não consigo controlar o braço Não posso adiar o que me encanta Pensei hoje que podia mas não posso Permitir Que as costas carreguem a noite Ou que a madrugada me açoite Não posso morrer gelado Antes de me deitar quentinho Do outro lado Pensei hoje que podia mas não posso Não concebo a façanha Mas posso não poder hoje E poder amanhã

É preciso o sal de um mar inteiro

É preciso que o sal te toque o lábio E a onda os cabelos E a sombra defina as tuas linhas Para que um trevo sábio Desfaça os novelos E proteja as pedras onde caminhas É preciso que voem folhas pequeninas de alecrim Ou o pó de um móvel antigo Que se abra a janela Ou se fechem os olhos Para que me julgues mandarim Abras, enfim, o postigo Comas palavras da gamela Ou sintas a cama em restolhos É preciso um mar inteiro de sal Que seja condição E não apenas acidental

A Viagem

Logo desaparece e se evapora no seu rio Na clareira das suas ilusões Num raio de luz do luar Exercita serena o seu cio Resulta existir e ser mulher Ver no espelho a imagem Comer um doce inteiro de colher E ler um livro da viagem

NÃO ME PERGUNTEM NADA...

As horas, como todas as coisas mundanas Têm uma hora em que acabam Em que fechamos a porta e guardamos a chave Apagamos a lâmpada Num gesto suave E confiamos na sorte que engana Desisto de qualquer direito A uma casa que não é minha Aos vizinhos que não tenho Da solução da adivinha Não perguntem o que levo ou deixo Ou mesmo se me treme o queixo Não interessa, ora essa Perguntem apenas se o caminho é largo Ou estreito Não me perguntem o que levo na mão Ou se levo algo Se vou pela sombra ou pelo sol Perguntem apenas o que levo no coração Ou se sigo o canto do rouxinol

FIADOR DE SENTIDOS

Este é um poema sobre tentações. A tentação é um estado sublime entre a sobriedade e a embriaguês. A tentação está por aí, algures no meio de tudo Pensei que poderias ser a chave Que balança hesitante no colo da minha fechadura Escolhi as tuas balas para ferir a minha armadura Colhi as tuas balas na minha boca Ingredientes doces e salgados Chumbo, cobre, doce de amargura Decidi ir ao norte numa viagem louca O pensamento foi o modo mais fácil de ser De matematicamente entender O desvario e a loucura Sou afinal uma semente vazia Fruto podre da minha ditadura Sem folha, flor ou fruto Fiador de sentidos e delírios despidos Infantil, irresoluto, invisível e inodoro soluto Não posso ainda perder-me na abundância do dever Nem brincar com a idade Ou atropelar o minuto Isto não é sobriedade?

sem título

Fico quieto e mudo deste lado do horizonte Deste lado do mar de todos os dias Onde ser enrolam as ondas do mar sem laços Onde perco os teus abraços Onde cruzo o silêncio de um mar sem chão Com a sombra dos braços teus Que acenam um claro mas cinzento adeus Uma vela, um barco ao longe, navegar de solidão Encalhado numa praia onde não chegam as ondas Desfazem-se fora dos olhos em voltas redondas Onde verto em câmara lenta desgostos de não te olhar Dava a vida toda para te ver chegar descalça sobre o mar A viver deste lado do meu poema A fazer-me companhia Na construção do simples morfema A beberes comigo a palavra fugidia A desfolhar comigo as páginas do dia Seres em carne e em paixão A vida da minha poesia

Poesia da Vida (Republicação do Poema mais lido - 15000 leituras)

A vida é só uma paragem Uma pausa no que deve ser Um lugar de descanso Um longo caminho Para a felicidade Uma doce miragem Uma doce eternidade Uma viagem diferente Com destino a um lugar Maior do que cremos E em que cremos piamente Para alguns a viagem é mais rápida Para outros mais lenta E quando a viagem termina No sonho que se acalenta Reclamamos uma grande recompensa.

Tinha asas nas costas

Tinha asas nas costas E voava Trazia para mim Uma jóia E as minhas respostas Chovia para mim Em gotas cristalinas Uma chuva miudinha E uma fada madrinha Tocava o condão De me levar A minha inocência pela mão E nem toda a inocência do mundo E nem que olhasse bem fundo Conseguia enxergar Que era aquele vento suão Um vento apenas Do Verão, vagabundo Acorda agora Abre os olhos e vê as asas Que elas vão-te tocar Bem abertas e rasas