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Mensagens

A mostrar mensagens de abril, 2009

ABSOLUTO / RELATIVO

Conheci hoje o sabor da relva O rodopio da selva das frases feitas Faço luto pelos discursos estéreis e ocos Elevo-me para além de pios loucos Sou ainda capaz de descer e subir esse degrau De me sentar à luz e saborear Palavras de canela e de cacau Sou forte que nem eu Mesmo nos braços de Morfeu Até seus delírios são oniricamente fortes Mais dados às certezas que às sortes Espera-me uma mesa farta Um sofá de pele de marta Uma cozinha mais cheia que pouca E uma inconsolada boca Faço luto pela incompreensão Quando se faz noite sem razão Quando o Sol foge da minha vigia Se não se faz dia Faço luto se perco a mesa Se viciam o baralho Se me fazem beijar o soalho Faço luto se não me deixam fazer luto Se fazem do relativo absoluto Ou da matéria um produto Faço luto e não poemas Mesmo sem razão aparente De fazer luto e ser diferente Foto: 000 - luis reininho ( olhares.aeiou.pt )

CALA-TE, POETA DA TRETA

Faz um favor a ti próprio e cala-te Não vês e não sentes Quão exaurido Fazes timbrar essa voz no meu ouvido Fecha a matraca da tua pena Deixa as palavras descansar Não tens espelhos para te mirar? Julgas-te dono das flores, das caras e dos dias E no entanto Precisas de escrever outro tanto Faz esse favor a ti próprio e cala-te Deita-te ao luar e respira Deixa que a traqueia se solte E a voz te tolde Faz o favor ao mundo de ficar calado Deixa para quem pode esse triunfo alado De ser poeta De ser fidalgo escriba da treta Cala-te ou fala Fala antes de escrever Mas vive antes de morrer Foto: Deserto Quente - Raul Alexandre ( olhares.aeiou.pt )

UM BOM ACTOR

Eu já sabia que alguma batalha se agoirava contra o meu esqueleto Tempo maldito e feroz que não tens por mim respeito Nem por esta víscera que tenho dentro do peito Desconfiei que podia passar ao lado da tua árvore E esconder-me calado nos ramos, nas flores ou nos espinhos Mas denunciaram-me os meus lábios E mais o cantar de pequeninos nos ninhos Seria apenas mais um actor figurante Se não tivesses aberto o pano quando me via ao espelho Ou ligasses esse holofote vermelho Sabia que ia chegar o dia em que esta ânsia do estômago Se transformaria em gestos desabridos de socorro Em desesperaria pela manhã do dia Em que não conseguiria tirar dos cabelos a melancolia Desconfiei mas não liguei Ao sabor térreo da fruta que comia Ao sabor é à dor Mas ainda já sabia Que não conseguia Ser um bom actor

Conta-me essa Liberdade

De repente, da alma de um povo Em vez de balas choveram cravos E um povo novo... E era Abril de um ano E começava ali O que nunca acaba

INCOMÓDOS DO UMBIGO

Natural seria pensar que não é natural Alguém se rir de si próprio Que isso seria até impróprio Se não fosse saudável e banal Como natural é tentar fugir da sombra Esconder também o Sol Por os olhos e os ouvidos no rouxinol E ter medo do monstro que nos assombra Desagrada-me e incomoda Não achar natural um nariz diferente Ou mistério uma estrela cadente Ou até como nasceu a roda Dou por mim a perguntar a mim Que é natural não pensar nada Não querer sequer andar na moda E ser normal pensar assim Nem sei se tem a ver comigo Se é apenas ou não espiritual Estranhar e não ver de forma convencional O buraco do umbigo Foto - Priscila Tessarini - Piercing ( olhares.aeiou.pt )

HÁ TREVOS MURCHOS NOS CAMPOS

Talvez ingenuidade minha, quiçá Mas há pessoas que pensam que os poetas São perfeitos no escrever e loucos no pensar Que colhem trevos de quatro folhas em cada poema Que escrevem e pensar palavras perfeitas em linhas direitas Que despenteiam os cabelos a propósito Para disfarçar misteriosas maleitas Mas, talvez ingenuidade minha Ou caloirice nas palavras que deito Há trevos murchos nos campos Palavras piores que o meu retrato E pudessem elas reclamar E algumas me puniriam pelo trato Ingenuidade minha, certamente Pensar que florescem flores em todos os jardins Ou que não mora pó nos móveis antigos Ou que o pó mente Ingenuidade e castigo Por respirar poesia e fumar E ingénuo, fechar os olhos e cansar Foto: Objectos do desejo - Ana Mokarzel ( olhares.aeiou.pt )

Não é um grande amor que constrói poemas

Não é um grande amor que constrói poemas Mas um grande poeta que faz nascer amores Não é justo ser poeta sem dilemas Não é justo ser poeta sem dores É no seco e árido terreiro Que nascem rosas e florescem espinhos Um poeta rega as rosas Mostra-lhes infinitos caminhos Não é um grande amor que constrói poemas Mas quem o ama  Quem lhe afaga os espinhos e as flores Mas um grande poeta pode fazer nascer amore s Foto: A ponte do poeta. - jorge roque ( olhares.aeiou.pt )  

Conheci hoje uns lindos olhos à esquina do meu olhar

Conheci hoje uns lindos olhos à esquina do meu olhar Surpreendida por um barco pronto a naufragar Deixa a mão e leva os olhos Surpreendida pelo mar É de silêncio o olhar com que me matas Com os olhos teus Penso-me homem Sinto-me criança Só de olhar para esses olhos com os meus Não sei se falam Se fazem da solidão alimento Sei que na cor desses olhos surpreendidos Podem morar meus amores perdidos Conheci hoje uns olhos lindos á esquina do meu olhar Foto: Green eyes - RR ( photo.net )

Apelido: LUA

Aceitas que nas asas de um papagaio azul Te ofereçam o mundo para iluminar À margem de profecias corrompidas Aceitas proteger o naufragar És a parte feminina da noite Serás suave  A possuir o dia sem despedidas Dizem que vivem em ti os poetas Para olharem do céu a bola azul onde assentam os pés Mas não a mente E um poeta sente... E o tempo atrás do tempo Traz novidades nas asas de um papagaio azul E cresces e minguas rumo ao sul És crescente e minguante Cheia e nova Nem ele te é indiferente Aparece apenas a medo de dia E em segredo Dizem que és pó mas és poesia E apareces assim todas as noites Nas asas de um papagaio de fantasia Foto: Noite de pesca - Fernando José Mesquita dos Santos ( olhares.aeiou.pt )

Nome: SOL

Entre o rio e o mar uma imensidão de luar Serena a linha do horizonte deita a lua no seu colo Quando o teu nome sol a vem beijar E na confusão do saltitar circadiano Passam os dias e as luas Fica o engano Condenadas a guardas pretorianas do infinito As nuvens braços de algodão Doce como a tua mão Salgado como o mar chão Pendente sobre mim a espada da vida E o dilema de voar Ou de agarrar o coração Entre o rio e o mar uma imensidão de ser E a loucura de poder Foto: A abelha ao sol - Reynaldo Monteiro ( olhares.aeiou.pt )

AS LEIS

É boato que morri Verdade que sobrevivi Quando vi o teu sorriso nos meus olhos E o teu andar no meu caminho Quando olhei de frente e não vi Quando virei a cara ao espinho É verdade, morri Um pouco por dentro Um tanto por fora Morri por viver Vivi para te ver Foto: black umbrella -  Frederick Dunn  ( photo.net )

A VIAGEM

Logo desaparece e se evapora no seu rio Na clareira das suas ilusões Num raio de luz do luar Exercita serena o seu cio Resulta existir e ser mulher Ver no espelho a imagem Comer um doce inteiro de colher E ler um livro da viagem Foto: Doce vida doce - Eduardo Alberto Utescher ( olhares.aeiou.pt )

IDEIAS OCAS

Era a tarde do dia e os olhos não abriam Fechados, molhados, rasos de saudade De longe, muito longe seguiam O rasto luminoso da verdade Era a tarde daquele dia, os olhos fechavam A voz embargava palavras atrás de outras Certas, eruditas demoravam Em folhas alvas do vento rotas Era a tarde mais entardecida do dia De um dia sem tarde  Um dia de tarde fugidia Um dia de manhã e noite de verdade Era um dia de tarde sem palavras De vãs e loucas Dia de tarde sem lavras Tarde de um dia de ideias ocas

SÃO DE ÁGUA AS VÉRTEBRAS E DE PEDRA AS LÁGRIMAS

Sei que é duro o ofício e grande o sacrifício Não pestanejar quando olho o silêncio à minha volta Quando oiço o que o canto das árvores diz “ - Não fazes ninguém feliz ” São de água as vértebras e de pedra as lágrimas Despidos os ramos Vestidas as lástimas Sei que é duro o ofício De nos mantermos à tona de água Quando o mar nos puxa para baixo E não podemos levantar a mão e dizer adeus De termos que assumir o que somos Em cais de nau naufragada E somos nada Um pouco de tudo E tudo de nada Foto: escrevo-me(te) - silviafonso ( olhares.aeiou.pt )