Trágico e ser optimista no meio do nada Porque nada é mesmo isso Ausência de tudo E não pouco de muitas coisas Foto: No canto de nada - NEST1 ( olhares.aeiou.pt )
Não te ver Será assim quase como dormir sem ti Uma falta imensa de substância íntima Uma falta de civilização Uma falta de humanidade Um campo de cultura de calão
Fossem Platão e Aristóteles vivos E dariam voltas e voltas À espera dos melhores silêncios No discurso político E tal seria a revolta E de alguns, o destino aforístico
Quase, quase, me apetecia raivar Gritar e sucumbir Às canso-me até de me ouvir calado De discursar contra a vontade De ser estátua do silêncio da idade
Absorvo da ciência apenas o que não é erudito O sumo da laranja e do limão E mais algo que possa segurar nas costas da mão Num equilíbrio imperfeito Onde gravo os olhos e a razão
Nevam palavras na minha pele Caiem redondas em leito mole Rodopiam e esmorecem Quentes mas frias Medo que a minha pena as viole Foto: La neige sur la fleur - Raul Cordeiro (olhares.aeiou.pt)
Hoje passo por aqui A destilar com o fígado a monotonia Das coisas monótonas E a vulgaridade de quem se sente vaidoso E na verdade não é Imbecil o que se senta e nem olha à volta Apologista falso do pudor De ver até uma árvore nua E sentir dela posse como se fosse sua Dá-me ranço a vulgaridade dos corpos E a falta de capacidade de cálculo Do diâmetro da existência Aflige-me que depois de tantas lições E tantos jardins E tantas lágrimas E tantos poemas Coloquemos flores no lamento Mas deixemos as costas Bem direitas Na parede de fuzilamento Hoje passo mas não fico Porque não me deixa o vício do fígado
Picasse-te uma agulha no dedo mindinho E chorarias lágrimas de espanto Chuparias teu próprio sangue Quebrarias o encanto Não adormecerias ao som das flautas Nem olharias teu príncipe Serias do baralho a espada E nessa hemorragia baralhada Seria omisso o nobre naipe A copa fugiria da mão E mal contada a história Num conto aldrabão De tão distraída Ficarias para sempre bela Adormecida Foto: Dina Goldstein