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O que mais há na terra é paisagem*
Em abril há uma terra e uma paisagem
Hoje ouvi os discursos de um abril a sufocar
Com asma do tempo
E medo da idade
Nem velho nem novo
Mas sem Alzheimer, na memória do povo
Hoje ouvi os discursos da memória sem tempo
Mas também os do tempo sem memória
Hoje ouvi os discursos da responsabilidade
E os da culpa dos outros
As palavras da história
E as histórias das palavras
Contadas porque não as conheceu
Porque quem em Abril não nasceu
Nem morreu
Os discursos dos que só veem a paisagem
E o chão
E se esquecem que todos os dias
Nos sapatos lhe caga um cão, um gato, um coelho
Ou um fedelho
O que mais há é quem não veja senão paisagem
E se esqueça da terra
Quem olhe a planície e se esqueça da serra
Ouvi
Ouvi hoje os discursos de um abril a sufocar
Seco pelas rugas
Húmido pela juventude
Um abril devassado por muitos
Mas virgem na virtude
Ouvi hoje os discursos de abril
Sempre
* José Saramago, Levantado do chão

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VERSO E REVERSO

Se eu fosse um verso Seria com certeza um verso do inverso Escrito de trás prá frente Ou visto á lupa e á lente Se eu fosse um verso Teria que ter uma poesia para nadar Uma frase para rimar Um texto, um mar pra navegar Se eu fosse um verso Podia rimar com várias poesias Uma nova todos os dias Se eu fosse um verso Só, apenas, um simples verso Monossilábico, mesmo do inverso Seria a só a palavra Que a poesia do verso Quisesse Que fosse Se eu fosse um verso seria um pássaro Que faz das frases ramos E das poesias enganos Se eu fosse um verso Seria eu verso Mesmo do inverso Seria meu E nenhuma poesia reclamaria É meu Mas era se fosse um verso Como não sou verso nem do inverso Sou apenas o inverso do verso Sou o reverso Foto: Rodinhas1. - Ed Ferreira ( olhares.aeiou.pt )

ESSA ESTANTE DE ENCANTOS

Entre ir e vir Da minha estante de encantos Não sei… Talvez quisesse despir-te a alma Duplicar-te com os olhos Olhar-te deliciado com o pensamento Beber esse néctar ao relento Talvez pensasse no teu perfume Colhido no alvor da manhã Talvez fumegasse em mim um castiçal de lume E me apetecesse subir ao cume E gritar baixinho… Olho-te a todo o instante Vejo-te bailarina nos meus dedos Confidente dos meus segredos Talvez eu esteja aí Despido de nudez à tua cabeceira Explorando com os olhos A colina e a ladeira Talvez entre ir e vir Fossem precisos dias e noites duplicados Invernos secos e Verões molhados Primaveras sem flores e Outonos em Maio E mesmo assim talvez Não chegasse outra vida Para te conhecer outra vez Foto: s/t - José Lopes ( olhares.aeiou.pt )